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segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Dois livros

Sexta, lembrei-me de que era dia de brinquedo na creche.
Normalmente eu me esqueço disso ou pego o primeiro brinquedo que vejo pela frente - um pato de borracha, um sapo de feltro... Outro dia, o pai lembrou já na entrada da escola e foi ver se tinha alguma coisa no carro. Encontrou uma pá de praia e pensou: "É isto!" E mandou a pá como brinquedo do dia. Ficou imaginando o sucesso da Abeille ao chegar na salinha com uma baita pá azul.
Como eu lembrei com antecedência, resolvi conversar com a própria interessada e dar à ela a chance de escolher desta vez:
- Abeille, hoje é dia de brinquedo na escola! O que você vai querer levar?
Ela pensou um segundo e respondeu sem hesitar:
- Eu quero levar dois livros.
Ao chegarmos lá, ela não havia se esquecido. Eu entreguei à ela o livro mais leve e ela me lembrou: 
- Cadê o outro, mamãe? 

E levou. Dois livros. O brinquedo do dia.

quinta-feira, 5 de março de 2015

A catança de acerolas

          Aqui em Serra Pelada não tem baixo bebê, não tem cine materna e nem workshop de yoga infantil. Não tenho do que reclamar. A cidade tem um pequeno teatro municipal, onde consigo a cada trimestre uma peça que sirva para Abeille assistir e um grande festival de Jazz que acontece uma vez por ano. E tem uma livraria com sessão infantil, que inclui livros importados! Nossa escolha foi não comprar brinquedos para Abeille até que ela comece a pedir. Por enquanto, vamos nos virando com o que ela ganha dos parentes. No intervalo eu vou inventando nossas atividades com as facilidades que nos disponibiliza uma cidade de interior.
          Aqui perto temos um pé de acerola. Que flori e produz com mais frequência que nosso teatro municipal. Abeille chama de pitanga (pitóga na língua dela). Quando o pé está carregado de frutos vermelhos, vamos até lá de mãos dadas, carregando uma cestinha. Voltamos, lavamos as frutinhas e ela come tudo.
          Hoje fomos até lá, cheias de expectativa. Mas já havia passado por ali um gaiato (como nós duas) que limpou a arvorezinha. Só havia umas últimas resistentes nos galhos mais altos. Para que ela não ficasse frustrada, subi no muro e catei as benditas. Rendeu umas dez acerolinhas meio amareladas - o que para ela é muito pouco. Saí coceirando o corpo todo, mas sabendo que a missão foi cumprida. Que fizemos uma atividade juntas, que estivemos perto da natureza e que a Abeille cooperou com a atividade. Não tinha selo do Inmetro (já falei disso aqui antes). Não tinha método a ser seguido, não foi feito com intuito de desenvolver a coordenação motora e nem a percepção espacial.
Éramos mãe e filha de mãos dadas em busca de pouco mais de meia dúzia de acerolas que ainda restavam no pé. Isso, nada mais.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

As palavrinhas da Abeille

Agora já sei onde estava escondido em mim o dom da comunicação prometido ao meu signo. Sempre ficava intrigada porque esta é a característica predominante dos geminianos e eu nunca soube me expressar muito bem, exceto para os meus cadernos que ninguém jamais leria. Mas estava ali, na região do baixo ventre,  misturado à energia vital, transferido ao embrião que se instalou em mim 33 anos depois das estrelas traçarem meu destino.
Abeille nasceu pisciana, carregando em si um pedaço do meu signo. A menina aprendeu rápido a se comunicar e agora, aos 22 meses, fala pelos cotovelos. Frases inteiras. Tenho que contar sobre hoje para resumir um pouco do que tem acontecido por aqui. Quando saímos pela manhã, ela já apontou para o cabide dizendo Bôssa, mamãe, bôssa! (ela tem mesmo mania de repetir tudo no fim da frase). Era a bolsa dela. Precisava sair com a bolsa pendurada no ombro. Na volta do passseio, tentei abrir a porta que estava trancada. Ela se virou para mim e lançou: "Tá fechada, mamãe!" Mais tarde, no quarto, me gritou: "Mamãe, fez cocô!" Eu achei que estava ouvindo coisas. Daí a pouco de novo: "Fez cocô, mamãe!" Corri lá, porque tinha rolado mesmo. Depois na padaria, pedindo para olhar o menino. "Cadê menino, cadê?" Eu mostrei o garotinho a uns 5 metros de distância. No que ela respondeu: "O pequeninho, mamãe!" Era um menorzinho, montado numa bicicleta, que ela tinha interesse de olhar. Depois olhou em volta e deu por falta do pai: "Cadê papai?" Eu respondi que o papai estava no banheiro. Ela me olhou com aquele ar indagativo e mandou essa: "Foi fazer cocô?" Gente, eu não aguento!

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Califórnia com um bebê (um pouco mais do que passamos)

Aqui vão algumas das nossas experiências pela Califórnia com bebê:

Viajar de madrugada - Abeille dorme bem à noite, então, nosso trabalho em aquietar uma criança de 10 meses num avião foi bem reduzido)
Solicitar com antecedência um assento preferencial – Mesmo em classe econômica, eles nos reservaram a poltrona na primeira fila, com direito a um bercinho que acopla na parede do avião. Salvou nossos braços na ida. Na volta, esquecemos deste detalhe e nos jogaram numa poltrona qualquer.
Levar pouquíssimas coisas – Não me preocupei nem com brinquedos para distraí-la (mas aí depende da idade do seu bebê, tendo em conta que a minha com dez meses, até revista de avião distraía a criança). Pra você ter uma idéia, reduzi tanto que ela molhou a calça com xixi logo no início do voo e eu só tinha mais uma calça extra para vesti-la. Fiquei rezando para que nada mais vazasse até o fim da viagem e acabou dando certo. Ok, não precisa chegar a este extremo! Rsrsrs Mas lembre-se de que com um bebê a gente fica praticamente sem mãos. Sobra para quem estiver junto carregar nossas coisas e mesmo com toda facilidade (transfer, táxi, ajudantes), carregar tranqueira é sempre chato.
Comida mexicana, havaiana, chinesa – A alimentação da Abeille era sempre muito natural e caseira. Portanto, ela recusou as papinhas americanas. O mais difícil em terra de Tio Sam foi encontrar comida fresca e sem condimentos para a menina. Os restaurantes que me salvaram foram justamente estes que citei acima. Tomava cuidado em sempre garantir que a comida pedida (arroz, feijão, legumes fervidos – eu comandava o pedido e pagava o equivalente a um prato “kids”) era no spicy at all. Mostrava a bebê e o pessoal logo se compadecia. Alguns grandes supermercados também tem comida à quilo.
Carregar um bebê que ainda não sabia andar – Se eu pudesse viajar em outro período, certamente teria esperado ela começar a andar. Abeille agora tem um ano e meio e percebo como ela se diverte muito mais e me libera para fazer outras coisas também. No nosso caso, tínhamos que carregar o carrinho sempre e aproveitar todo lugar razoavelmente limpo (livrarias, lojas, museus) para deixá-la um pouco mais à vontade para liberar energia no chão.
Ficar dodói – Já no finalzinho da viagem, após quase dois meses de muito chão, piscina gelada e comida tailandesa (tinha uma sopinha de arroz ligeiramente apimentada que nos salvou algumas vezes), a menina pegou uma virose americana. Eu fiquei muito assutada, sem saber o que fazer, pois era a primeira febre na vida dela (e na minha vida de mãe), não tinha mãe e nem vizinha para me socorrer. Quem me consolava eram as camareiras mexicanas, mães de quatro ou cinco filhos. Ter um plano de saúde internacional foi fundamental. Eu ia ao hospital todos os dias, saber se os sintomas todos que ela apresentava eram normais. O atendimento médico e farmacêutico foi semelhante ao Brasil. Mas isso aconteceu no final da viagem, quando tínhamos reservado alguns programinhas de compras e outros eventos. Você tem que levar em conta que viajar com um bebê tem dessas coisas, a gente planeja um roteiro, mas de repente tem que abrir mão de um monte de atrações para talvez ficar num quarto de hotel. Ou voltar mais cedo para casa, mesmo morrendo de vontade de conhecer aquela rua badalada.
Viajar menos, curtir mais – Se eu soubesse, teria encurtado as viagens de carro (fomos de Los Angeles a San Francisco e depois de volta de San Francisco até San Diego, incluindo uma ida a Santa Barbara depois que já estávamos estabelecidos em San Diego). Foi muito tempo dentro do carro, para quem estava com um bebê. O ideal é reduzir a quantidade de destinos e aumentar a quantidade de dias a permanecer em cada um destes lugares.
E lembre-se, as viagens são enriquecedoras para os bebês também. Mostre o mundo à sua criança. Abeille voltou falando meia dúzia de palavras em inglês.



segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Deixando na creche

Ando nostálgica mesmo. Hoje, deixando Abeille na creche, eu me peguei segurando a mãozinha dela como se achasse que ela queria prolongar aqueles últimos minutos comigo antes de ter que passar horas na creche, em companhia de pessoas que há pouco tempo eram completamente estranhas à ela. Eu apertava sua mão como se dissesse que estava ali ainda e logo eu iria voltar para buscá-la, como faço todos os dias. Meu coração estava pequeno, sentindo o aperto da separação, quando me dei conta: Era eu que estava tensa. Era uma criança dentro de mim que apertava a mãozinha de alguém na esperança de que talvez aquele momento da separação, do grande portão se abrindo e me encerrando lá dentro pudesse ser retardado de alguma forma. Eu acredito que ela não sinta isso. Pelo jeito como ela entra, como ela repete animada a palavra "creche" quando estamos chegando, acho que ela deve estar bem resolvida. Eu espero que seja assim mesmo, lá no íntimo dela.
No começo, não era. Ela chorava e meu coração se apertava por aquele momento. Era verdadeiro, era por ela que eu me sentia mal. Não era por mim, como muita gente sugeria. Diziam que era normal criança chorar durante algumas semanas e eu não conseguia achar que era normal um serzinho pequeno de menos de dois anos, que ainda não sabe expressar palavras, ficar chorando e implorando pelo colinho de mãe. Diziam que era pior para mim que para ela. Não, não era. Eu sofria igual aquele choro e era por ela somente. Se ela esquecia depois que entrava eu digo que eu também esquecia depois que eu saía dali. Então, não era pior para mim. Era ruim para ela e eu percebia isso, simplesmente. 
O que não pode ser confundido com o que senti desta vez. Desta vez foi pior para mim. Ou suponho que sim, já que a menina é esperta, mas ainda não sabe conversar sobre suas emoções. Pra mim, aquilo foi uma espécie de catarse. Usei da situação para reconhecer um momento que foi meu um dia. Enxerguei meus medos, minha dependência de um representante. Mais especificamente e na maior parte das vezes a minha mãe. Eu aprendi a passar sozinha pelos portões, adquiri independência e a duras penas, sobrevivi. Mas deixa cicatrizes aquela insegurança e aquele aperto no coração de criança, que tensionava a mãozinha em busca de um apoio na mão madura. Não sei se aquela mão procurava e minha e me segurava firme como faço hoje com Abeille. Sem saber se estou certa ou se isso poderá ainda trazer a ela alguma tensão no momento da entrega ao mundo, mantenho o semblante tranquilo e um beijo risonho. Para dizer que o apertinho na mão e o afago é só um gesto de camaradagem, nada mais.
Só eu, no fundo, posso saber. O aperto é um medo meu, de mais ninguém.

domingo, 9 de novembro de 2014

A casa velha

Ontem estive lá no condomínio pra aproveitar com a Abeille os últimos dias de piscina. Descobri que a menina já dá pé na psicininha infantil e inclusive sabe andar sozinha na água, sem a minha ajuda. Aproveitei pra entrar na nossa antiga moradia, para ver como ficou o apartamento depois de pintado e ajeitado. Claro que bateu uma nostalgia previsível de tudo que vivemos naquele cantinho.
Andei pelo apê vazio e limpo que aprecia maior que antes, sem nossas tralhas. Saindo do quarto e entrando na cozinha, recordei quantas vezes fiz este percurso, com a Abeille pequenina, adormecida em seu bercinho. À noite era quando eu a punha no berço e voava para a cozinha, esfomeada de um dia inteiro. Lembrei das madrugadas tirando o excesso de leite com bomba, as vezes que ninei Abeille olhando pela janela, para tentar me distrair com o movimento das folhas. Olhei nossas árvores, Rebeca, Remela, Meleca, Aristela e Manuela, plantadas ainda bebês e regadas incansavelmente a baldes de água e litros de garrafa pet. Pensei no banho reconfortante no míni-banheiro. Lembrei da Abeille aprendendo a firmar as perninhas e descer os degraus da escada agarradinha à minha mão e da torneira lá fora que tanto a seduzia na perspectiva de levar as mãozinhas após as brincadeiras. 
Fiquei pensando que são as coisinhas simples do dia a dia que torneiam nossas vidas. E quis levar esta reflexão para esta etapa de vida na casa nova. Antes de sair, dei uma olhada final com o coração cheio de amor por tantas recordações que irão sempre comigo.

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Desenvolvendo corpos dóceis desde a creche

A gente que é mãe tá sempre achando que o filho é um gênio, super inteligente e o mais esperto da rodinha. Abeille nem tem dois anos, já agradece, rodopia, bate palminhas, manja inglês, espanhol... Por isso, quando me avisaram na creche que iam entregar o “relatório de desenvolvimento”, é óbvio que eu estava esperando um diagnóstico de criança prodígio, super dotada com habilidades muito acima das demais crianças de sua idade. Abri o papel cheia de expectativas, mas ali não encontrei nada além do conceito “muito bom”para atividades simples como comer bem, socializar bem, dormir bem e obedecer comandos simples. (Simples? Eu achei que a menina já trocava altas idéias!) Dentre as marcações, todas na primeira coluna, indicando boa pontuação, vi um x lá na terceira coluna (indicativo de 'regular'), em algum dos tópicos. Gelei! Como assim, a Abeille não tinha nota 10 em todos os quesitos? Corri com os olhos para ver onde meu geniozinho falhava: Assiduidade: regular. Ah, tudo bem! Eu sei que ela falta muito. É reflexo da nossa escolha para garantir que Abeille fique conosco em casa até ficar maiorzinha. A creche é só para me dar um alívio no dia a dia, pois aqui não temos família por perto para ajudar.
Li os comentários, ávida por notas de louvor pelo bom comportamento da menina, mas nada parecia superar as expectativas. Boa coordenação, organização sensório-motor-espacial-temporaleetceteraetal e no final, uma registro em destaque!
A aluna falta muito às aulas, o que atrapalha o desenvolvimento.
Quê???? Atrapalha o que? Peraí, gente, tem alguma coisa muito errada aqui. Como é que uma escolinha, com um parquinho de cimento, um refeitório coberto e uma sala com dez crianças dando cabeçada vem me dizer que minha filha desenvolve mais ali dentro do que comigo, com as minhas referências, minhas escolhas, minha família? Ela escuta violão na escola? Sapo cururu? Pois eu a levo a festivais de jazz, a vó passa tardes com ela no piano, o pai leva pra tocar o tambor na capoeira. Ela assiste a vídeos educativos? Eu a levo a museus, peças teatrais, busco animações da França, de Moçambique, do interior do Brasil. Ela tem aulinhas de inglês? Se faltou duas semanas seguidas, foi porque a levei para comer empanadas na argentina e aprender a dizer Hola e Gracias por osmose e convivência. A escola tem a semana do folclore? Show, acho dez a gente valorizar a cultura nacional. Mas ela também aprendeu as lendas no interior do Uruguay, frequentando uma escolinha pública e convivendo com as crianças de lá.
Abeille está se desenvolvendo perfeitamente para uma criança de um ano e meio. Vontade de levar este texto aqui, em forma de cartinha, na direção da escola, de jogar na mesa do psipedagogo que acha que sabe mais de desenvolvimento infantil do que nós, mamães dedicadas. Eu que me preocupo em mandar bilhetinhos para que não esqueçam de dar bastante água à menina, que mando lanchinhos naturais para que ela não coma os industrializados oferecidos na escola, eu que evito levá-la àquele espaço confinado em dias de chuva, porque tenho consciência de que em ambientes fechados os indivíduos aglomerados podem facilmente adoecer e passar dias na cama sem ver o sol, o mar e os passarinhos. Ora, abram a mente, queridos! A minha bebê ainda não tem nem dois anos e não vou sujeitá-la tão cedo às regras escolares.
Fosse eu impetuosa e ousada o suficiente para levar esta cartinha (mas não o farei, pois prefiro manter a boa convivência numa das raras creches decentes), terminaria citando Michael Foucault em Vigiar e Punir:

O corpo humano entra numa maquinaria de poder que o esquadrinha, o desarticula e o recompõe. A disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, os chamados "corpos dóceis".